sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

É exatamente isso, e nada mais



 Breno Lopes


“Quando a mente perfeitamente controlada, livre da ânsia pelos objetos mundanos, é direcionada ao Ser, ela permanece no Ser.” (B.G. 6,18)

            Parece existir um consenso, em todas as tradições espirituais, de que uma mente agitada ou impura é um grande empecilho à realização da Verdade. Concentração, foco, tranquilidade, são qualidades altamente desejáveis para a realização de qualquer atividade, mesmo as mais enérgicas. Quando falamos de autoconhecimento, essas qualidades são fundamentais, chegando mesmo a serem um pré-requisito. A prática regular de meditação traz como resultado a singular capacidade de observação impassível do fluxo de pensamentos, assim como a capacidade de manter a atenção direcionada a um único objeto, o que alguns chamam de “mente una” (ekagrata).
            As escrituras nos dizem que há um erro básico em nossa percepção da realidade, que não somos quem pensamos ser e que a realidade é infinitamente melhor do que nossos sentidos nos apresentam. Dizem com clareza que somos a própria realidade imperecível, livre de qualquer atributo ou limitação. Á primeira vista, declarações como esta parecem ser “boas demais para serem verdadeiras”. Nossa convicção sobre nós mesmos sempre foi a de que somos pessoas, vivemos no mundo e estamos condenados à morte, inevitavelmente. A visão das escrituras é radicalmente oposta a nossa visão atual e, portanto, de difícil assimilação. O mundo externo parece ser real, enquanto o chamado mundo interior, a paz interior, a alegria do silêncio interno, parece ser irreal, ou pelo menos, de difícil acesso.
            A felicidade suprema, meta única de toda e qualquer pessoa, é uma porta sempre aberta, mas cuja passagem envolve um certo grau de esforço e fé. Não falo aqui de uma fé cega, dogmática e submissa, mas sim da fé que brota da coragem de assumir a responsabilidade por tudo o que nos acontece, ou seja, pela própria felicidade. O caminho é individual, a busca é individual, a verdade é um estado subjetivo e portanto só pode ser apreciada por quem decide ser tudo o que pode ser, por quem está disposto a “lutar o bom combate”, como lutou o apóstolo Paulo.
            Pois bem, este combate é interno. Nossa luta se trava no mundo interior, na mente, que devido ao reflexo da pura consciência onipresente (cidabhasa), identifica-se com o corpo, criando uma entidade chamada “Eu”, o ego, causa de todos os nossos problemas. A ideia de que somos essencialmente separados do resto do mundo estabelece as bases de nossa interação com este. Cria a dualidade, o conflito. Onde há “dois”, existe interação e toda interação pressupõe finitude, pelo desgaste ou troca inevitável.
            Quando intencionalmente ou mesmo por acaso aquietamos nossa mente, nosso corpo sempre reage de forma favorável, gerando sensações e emoções agradáveis. A esse controle do fluxo dos pensamentos e treino sistemático da atenção chamamos meditação. Uma mente calma, livre de conflitos, possibilita o direcionamento da atenção ao que realmente nos interessa, a apreciação da felicidade onipresente. Se o que queremos é vermos a nós mesmos como a realidade ilimitada e atemporal, precisamos de uma mente treinada a manter o foco e evitar distrações que nos afastam deste objetivo.
Podemos didaticamente dividir a prática da meditação em duas etapas complementares. Num primeiro momento a meditação visa tranquilizar corpo e mente, preparando o terreno para o desenvolvimento da atenção consciente. Atenção e foco são qualidades importantes para o estudo que conduzirá o praticante ao conhecimento de si próprio. Nesta etapa o objetivo principal é a “purificação” da mente, no sentido de minimizar as manifestações (gostos e aversões) das tendências individuais (vasanas). Esse árduo trabalho deve ser complementado e de preferência precedido pela prática de karma yoga, a ação dedicada a Deus, desprovida de motivos egoístas. Aqui o progresso pode ser medido pela alegria proveniente da prática, uma alegria que não vem do exterior, fato este que contradiz o erro habitual de crer que os objetos externos são responsáveis pela alegria interna.
Após o conhecimento inequívoco de sua própria natureza, num segundo momento, a meditação ajuda o buscador a manter-se constantemente identificado a consciência de si mesmo como eternidade, liberdade e felicidade. Quando o meditador estabelece-se nesta consciência, que tudo inclui, deixa de ser um buscador, torna-se o que sempre foi, o Si-mesmo.
            Talvez o efeito mais evidente da meditação seja o contentamento com “o que É”. Sendo o ego um centro fictício de transações com o mundo, identificar-se com ele cria uma constante oposição à realidade. Um exemplo prático e corriqueiro pode expressar melhor essa ideia: Se no momento sinto dor, por exemplo, a mente, para preservar a “integridade” do ego, cria imediatamente a ideia de não-dor. Mas o que existe de fato no presente momento, é apenas a dor, e portanto não é possível viver uma presente não-dor, mas apenas projetá-la em um futuro próximo ou distante. A pessoa que identifica-se com o ego vive no passado ou no futuro. Recorda o passado para validar seu estado atual e projeta o futuro fantasiando um estado melhor. Acontece que a vida, “o que É”, é agora e para sempre agora. Não existe melhor nem pior, só existe perfeito.
            Meditação é a prática de viver a vida. Que objetivo melhor pode uma pessoa ter na vida, senão vivê-la? Não vivê-la melhor, isso já fazemos usando nossas estratégias habituais de manipulação de coisas e pessoas incluindo a nós mesmos, mas sim vivê-la integralmente, tão intimamente conectado ao fluxo de acontecimentos, que já não há mais “quem”, apenas “o que”. A personalidade, no estado profundo de meditação, perde o status de centro pelo qual a vida passa, Ganha um novo status, o de uma mera aparência, surgindo e desaparecendo espontaneamente e inevitavelmente como parte desse jogo cósmico que é o mundo dos nomes e formas.
            A realidade desprovida de nomes e formas é pura bem-aventurança-sempre-alerta, a eterna verdade transcendente pulsando como o próprio coração de toda partícula de matéria existente. Não é a essência de tudo. Isso dividiria o universo em essencial e não essencial. É o amplo espaço que tudo abrange e ao mesmo tempo, que tudo “É”. Para viver esta verdade é preciso ser esta realidade. Meditar, por este enfoque, torna-se um ato de pura coragem. É deixar de lado passado e futuro, o que implica em deixar de lado a própria personalidade, e permanecer na consciência livre de conflitos, livre de carências, plena de si-mesma.
            Sentar-se em meditação é uma aventura de encontro ao Si-mesmo, a realidade única. Para que tenhamos sucesso nessa empreitada é necessário honestidade e serenidade, pois precisamos fazer da vontade um instrumento efetivo de transformação dos hábitos. O discernimento entre o real e o irreal pode na meditação ser praticado até o ponto onde não haja mais dúvidas sobre a fonte de toda alegria. Essa fonte é o “Ser”. A alegria que sentimos eventualmente é apenas um frágil reflexo da alegria abundante que somos desde sempre. E é exatamente por amarmos a nós mesmos mais do que qualquer outra coisa, que fazemos de tudo para remover os obstáculos que atrapalham nossa compreensão convicta dessa realidade. E a realidade sou “Eu”. Toda e qualquer prática visa em última análise manter a mente num estado de contemplação ininterrupta da realidade, a consciência que tudo abraça, a única “coisa” que não sofre qualquer tipo de transformação no presente, passado ou futuro.
            O último e mais difícil obstáculo à permanência em si mesmo, é o apego à alegria e bem estar resultante do estado de meditação profunda. Este obstáculo foi apontado por Gaudapadacharya no Mandukya Karika (verso 45):
            “Não devemos deixar que a mente desfrute da alegria proveniente da condição de samadhi. Ela deve ser liberada do apego a esta alegria através do constante exercício da discriminação. Se a mente procura sair em direção aos objetos externos, ela deve ser unificada ao Ser pelo esforço consciente.” (tradução livre)
            A alegria que vem da meditação não pode ser confundida com a consciência que ilumina todo e qualquer estado mental. Estados mentais vêm e vão, mas a consciência permanece. A única identificação que possibilita a definitiva libertação do samsara é a identificação com o espaço da consciência, livre de pensamentos. Essa identificação passa pela aceitação das coisas como elas são, de todo o passado e de todas as condições presentes agora. Passa pela compreensão de que existe uma ordem cósmica justa e amorosa (isvara) cuidando de tudo, atualizando momento a momento o fluxo dos acontecimentos. Essa ordem também existe na consciência e a consciência sou Eu.
            A consciência é livre de qualquer coisa. A única solução possível para o fim do sofrimento humano é a identificação com essa consciência (brahman). Como fruto desta identificação convicta, a tão aclamada e aguardada felicidade.

            “Quando o grande mestre zen Fa-ch'ang estava morrendo, um  esquilo guinchou do alto do telhado. "É exatamente isso", disse ele, "e nada mais

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O buscador espiritual e as ferramentas de busca




Breno Lopes

      Todo buscador espiritual tem uma qualidade especial: a audácia. A audácia de querer, de ter certeza do que quer, a audácia de querer tudo, de querer o infinito. Ele não quer felicidade que vem e vai, quer a essência, quer saber o porque de tudo e só se contenta com a plenitude. Pergunte a um buscador sincero: “- Você quer felicidade amanhã?” Ele diz: “- Não, tem que ser agora e para sempre!” Insista: “- Você quer todos os prazeres e riquezas deste mundo?” E ele, sem piscar: “- Não, não. Pode ficar para você.” Como último golpe, pergunte ainda: “- Você quer ir para o céu, sentar-se ao lado de Deus e dos anjos?” Ele, o sincero buscador da verdade, debocha: “- Não me interessa nem um pouco!” Há que ser direto: “- O que você quer da vida então?” Agora ele se revela: “- Da vida quero o néctar e do néctar quero a doçura. Quero sentar no meu trono de paz e observar meu reino de alegrias. Um dia me disseram que sou ilimitado, que a tristeza não existe e eu acreditei de todo o coração. Eu vou me descobrir como este ser completo. Na verdade não tenho escolha, pois se eu já sou tudo, então só posso querer tudo. Que sorte a minha, eu já sou tudo!”.       
   Para o sincero buscador da verdade só uma coisa interessa: obviamente, a descoberta da verdade. Nessa busca, dependendo de sua entrega e seriedade, sua compreensão da realidade torna-se cada vez mais completa e, eventualmente, chega ao fim de sua busca, que é o conhecimento da realidade de todas as coisas e de si mesmo. Nesse estado, reconhece-se como pura felicidade, pois, se sua compreensão instantânea da realidade atingiu a integralidade, não busca nem deseja mais nada, é “um” com tudo que existe e pode relaxar na certeza e completude de sua visão.
  Essa determinação inabalável e seriedade de propósito é um pré-requisito insubstituível do caráter do sadhaka (praticante). É ela que determina os meios (sadhana) utilizados para atingir sua meta (sadhya), a libertação. Com o propósito de sua vida definido, naturalmente os caminhos do auto conhecimento se abrem. É fundamental saber que a meta é o mais importante e não os meios utilizados para atingi-la, que embora úteis devem ser descartados no devido tempo.
    Essa realidade última, essência de tudo que existe, brahman, não é um objeto disponível a apreciação sensorial e portanto sua intuição imediata, o conhecimento de sua realidade, é um ato puramente cognitivo, ou seja, embora a análise da experiência seja uma etapa inevitável da busca espiritual, nenhuma experiência poderá trazer o auto conhecimento pois o “objeto” da busca não é em absoluto um objeto e sim o eterno sujeito. As dificuldades portanto dessa busca da verdade são inúmeras e o buscador pode facilmente perder-se em meio a tantos “caminhos” disponíveis. Torna-se então de grande importância alguma orientação neste sentido visando colocar em contexto os diversos meios utilizados para o conhecimento da realidade e suas funções no decorrer do aprendizado, ou em outras palavras, o que se pode fazer e para que.
        Podemos dividir os diversos sadhanas possíveis em duas classes básicas. A primeira visa a purificação mental (antahkarana suddhih) e dela fazem parte disciplinas como a meditação, puja, karma yoga, hatha yoga, upasana yoga, trabalho voluntário, peregrinações, etc. Enfim, qualquer ação que traga tranquilidade mental e consequentemente, maturidade emocional. É necessário que se possua uma mente relativamente livre de conflitos para que se possa praticar o segundo tipo de sadhanajñana yoga, o yoga do conhecimento, o estudo dirigido das ideias contidas nas upanishads chamado de vedanta, a ferramenta de auto conhecimento por excelência. Para tanto o professor de vedanta utiliza-se de vários prakriyas, que são métodos de ensino peculiares designados para esclarecer todas as dúvidas possíveis sobre a natureza do Ser, cada assunto abordado sob um ângulo diferente, como por exemplo os “três corpos”, “as cinco camadas da personalidade”, “os três gunas” ou “a discriminação entre sujeito e objeto”. Cada uma dessas discussões possibilita uma aproximação diferente ao tema central do vedanta, a realidade una e ilimitada, minha real natureza.
        Para que o questionamento traga frutos em forma de conhecimento, o estudo deve ser contínuo e sistemático. Contínuo, porque a construção do conhecimento é sempre baseada em um entendimento prévio, que forma a base para o entendimento futuro. E como em uma construção onde o tijolo deve ser colocado sobre o cimento ainda fresco, assim funciona o vedanta: sistematicamente, o aluno, através de inúmeras e frequentes aulas com um professor competente, vai removendo uma a uma suas falsas noções sobre si mesmo. O método consiste em ouvir (sravanam), refletir sobre o assunto até entendê-lo totalmente (mananam) e por último, “praticar” o conhecimento, contemplar a realidade não dual e meditar sobre suas implicações (nididhyasanam). É aqui, nesta última etapa, onde o vedanta mostra sua eficácia, pois se a visão de si mesmo, adquirida através do estudo, é livre de conflitos, torna-se natural observá-la em todas as situações da vida prática. Isso é ser “um” com tudo que existe, é deixar o conhecimento invadir a mente por completo através da apreciação intermitente da totalidade indivisível. Um dos frutos dessa apreciação é a neutralização das reações emocionais negativas que brotam da natureza dual da identificação egoica. É a ausência absoluta de conflito no nível subjetivo proveniente do entendimento de que o sujeito é tudo o que existe.
       A mente humana é especialmente talentosa em funções como julgar, separar e analisar, o que torna a tarefa de evitar conflitos psicológicos bastante complexa, pois onde existe “dois”, existe interação e toda interação implica em conflito. No jogo entre causas e efeitos do mundo material não pode haver vencedor. Os efeitos sucedem as causas em um fluxo sem começo nem fim. Diante da transitoriedade das coisas, uma pergunta pode surgir na mente do buscador: “- Como permanecer em paz se tudo muda ao meu redor?”. A resposta está na própria pergunta (apesar da semelhança, isso não é koan zen, é vedanta mesmo). O que nunca muda por trás de qualquer pergunta é o sujeito que faz a pergunta. Na ânsia de obter uma resposta convincente, que nos satisfaça enquanto ego, esquecemos da pergunta principal: “- Quem necessita de respostas e porque as necessita?”.
        O problema é que, sempre que me identifico com o sujeito que faz (por exemplo, uma pergunta), me encontro inevitavelmente perdido em meio a dança das causas e efeitos, sou escravo dos resultados de minhas ações, sou um samsari. Como causas e efeitos não tem começo, nem fim, não posso resolver este dilema através de ações, que gerariam novos resultados. O vedanta esclarece que, visto ser impossível controlar o mundo de modo a satisfazer todos os nossos desejos e então conseguirmos felicidade constante, só nos resta entender e aceitar a inutilidade desta luta e nos apegarmos a quem realmente somos, o palco onde o drama da vida acontece. Essa essência, substrato único de tudo o que existe, sendo ela mesma a própria existência sempre consciente e livre de qualquer atributo, é portanto naturalmente livre de qualquer conflito.
        É importante esclarecer que a ação (karma) nasce do desejo (kama), que por sua vez nasce do senso de incompletude (apurnatvam), este, por fim, nascido da ignorância (avidya). Sem a aceitação de que nenhuma ação pode remover a ignorância, não pode haver o entendimento de que só o conhecimento liberta, pois revela a incoerência do nosso senso de incompletude e limitação. Essa aceitação começa com o reconhecimento de que a vontade individual está submetida a vontade universal, a totalidade de todas as leis naturais, conhecidas e desconhecidas, isvara. A relação de submissão do indivíduo (jiva) perante o todo (isvara) é um dos pilares necessários para dar sustentação as ideias de não dualidade, já que aparta do indivíduo o apego a expectativa dos resultados promovidos por suas ações.
       A verdade é que não precisamos nos preocupar com um problema sem solução. Toda ação  produz resultados transitórios e limitados, e o limitado nunca pode produzir o ilimitado. Se não há uma felicidade alcançável através de ações, só há uma saída possível para este impasse: É o entendimento de que eu já sou a felicidade que procuro, ou como diz o ditado, “se não tem remédio, remediado está”. Sempre esteve e sempre estará. Essa atitude de confiança e relaxamento prepara a mente para que as palavras do vedanta produzam seu efeito, a tão sonhada felicidade sem causa vinda do auto conhecimento, da certeza além de toda dúvida de que Eu sou completo, de que nada me falta. É esta a visão não dual revelada nas upanishads e ensinada a todo buscador sincero que tenha firmeza de propósito, humildade e audácia.


domingo, 8 de janeiro de 2012

A Felicidade não está no objeto - Parte 1




James Swartz
(tradução Carolina Velardi)


    O objetivo da vida é a felicidade. Por nos sentirmos limitados com relação a felicidade, todas as pessoas estão totalmente engajadas em conseguir a felicidade a cada minuto. Quando eu aceito um emprego, me apaixono, leio um livro, como uma refeição, vou ao dentista, oro ou medito, eu espero que a atividade e/ou seus resultados façam que eu me sinta melhor do que me sinto no momento. Não importa o quanto eu me sinto bem, sempre imagino um estado maior de felicidade. Se me sinto péssimo, as minhas ações serão calculadas para remover ou diminuir a minha infelicidade, uma situação que eu vejo como um aumento na felicidade. Quando um estado melhor é inconcebível, eu me afasto de atividades que possam comprometer este estado.
    Tudo é feito pelo bem da felicidade. Alguns acumulam dinheiro, não necessariamente pelo dinheiro em si, mas pela felicidade que supostamente o dinheiro traz. Outros buscam a felicidade na vida praticando esportes porque eles produzem um sentimento de estar vivo além do normal. Nós tomamos químicos, pílulas, bebidas e drogas para mudar o nosso estado da mente para melhor. Ninguém se casa para sofrer.
    A primeira vista, a felicidade parece ser o resultado das atividades. Eu corro, faço jardinagem, medito, ando de esquis e me sinto feliz. Mas se a felicidade estivesse nestas atividades, a atividade deveria produzir felicidade para qualquer um que a fizesse. Doar milhões, faz filantrópicos felizes. Livrar-se de dez centavos é uma condenação para um miserável. Uma avó que faz tricô para se divertir, não vai se divertir pulando de bungee jumping.
    A felicidade pode ser adquirida conseguindo e possuindo certos objetos? Um homem se divorcia de sua mulher porque acha que ela é a causa de seus sofrimentos mas antes que a tinta esteja seca no documento de divórcio, ele a encontra nos braços de outro... que a vê como seu amor. Um bife faz um carnívoro feliz, e um vegetariano infeliz. Apesar deste triste fato, nós nos escravizamos com o passar do tempo para conseguir a felicidade através de objetos e atividades.
Alguns tentam conseguir a felicidade através da mente. Poetas, escritores, artistas e intelectuais encontram a felicidade jogando com pensamentos e ideias, sentimentos e emoções. Profissionais, convencidos de que a felicidade assistida pode ser adquirida através da sabedoria, sujeitam suas mentes a anos de treinamento e suas vidas a sacrifícios incontáveis. Uma pequena minoria, buscadores espirituais, tentam encontrar a felicidade disciplinando-se com orações, meditações, cânticos, respirações ou peregrinações para alcançar estados elevados ou alterados de consciência. O mundo da psicologia acredita que a felicidade pode ser alcançada ao remover barreiras subjetivas... experiências e memórias perturbadoras, conceitos que limitam o eu e pensamentos rancorosos que residem na mente subconsciente.
    Porque nos tornamos felizes quando alcançamos ou objetivo ou um objeto que desejamos?De acordo com a ciência espiritual, todas as atividades são causadas por uma quebra de nosso estado de felicidade natural, uma separação que produz dois instintos aparentemente contraditórios, medo e desejo, que causam muitas emoções perturbadoras. Atrás de todo desejo, há um medo, atrás de todo o medo, um desejo. Se eu não conseguir o que quero, serei infeliz. Evitar o que eu não quero, me faz feliz. Portanto, o medo da infelicidade é justamente o desejo da felicidade. Estas duas forças primordiais... que causam atração e repulsa, apego e aversão, gostos e desgostos... colorem todos os aspectos de nossas vidas.
    Os muitos medos e desejos sutis e físicos que brotam em nossas mentes, vêm de uma necessidade profunda, a necessidade de ser livre de medos e desejos, a necessidade de ser pleno ou feliz. Quando eu digo que quero um carro novo ou um novo amor, eu não quero realmente o objeto, eu quero a felicidade que aparentemente vem com ele.